Todos que mantêm algum interesse no mundo das artes adoram declarar aquilo que leram, assistiram, visitaram ou ouviram nos últimos tempos, sem revelar o quanto isso é chato e pedante. Nesta coluna resolvi falar daquilo que não vimos, não lemos, ou não ouvimos e que fazem falta no repertório cultural. Falta que gera certa culpa, quase católica, de estar perdendo alguma coisa importante para a formação intelectual ou até para a vida em geral.
São falhas culturais tratadas com status de segredo de estado e geram algumas saias justas, como alguém que diz ter lido algo que não faz a menor ideia do que se trata. Já dizia o ditado “ninguém lê um clássico pela primeira vez, geralmente está relendo”. As desculpas são sempre as mesmas: falta de tempo, excesso de informação, stress do trabalho, falta de dinheiro, entre outras. No entanto, sempre fiquei com a impressão que se eu vivesse em outro tempo, sem internet, tv a cabo, gadgets eletrônicos como o iPhone e o iPad, e em outro lugar mais frio como, por exemplo, a Rússia do século 18 ou 19, eu teria mais tempo para ler algumas dessas obras, com milhares de páginas e texto complexo.Nas estantes, esses livros, filmes, discos (sou do tempo que ainda se chamavam discos, hoje sinceramente não sei como chamar) entre outros objetos, nos constrangem com olhares ameaçadores como que nos indagando de forma áspera: “você não vai ler esse clássico nas férias?” PREGUIÇOSO, “você não assistiu a esse filme ainda?” DESINFORMADO, “você não conhece essa música?” IGNORANTE Essas obras sentem-se desprezadas e ficam ali à espreita, apenas acumulando poeira e argumentos para aumentar a nossa culpa por tal abandono.
Na literatura, minha cabeceira esquecida é formada por grandes nomes e entre os autores nacionais o destaque é de Guimarães Rosa e a sua obra-prima Grande Sertão: Veredas, que confesso ter tentado várias vezes e não consigo terminar. Entre os autores latinos, que ocupam grande espaço na parte da estante que eu já li a obra completa, estão Gabriel Garcia Marquez, Mario Vargas Llosa e Roberto Bolaño, mas não li a maioria das obras do argentino Jorge Luis Borges e não me pergunte por quê. Entre os americanos a falta fica com O Grande Gatsby, de Scott Fitzgerald que não passo da centésima página nem sob efeito de tortura. William Shakespeare, que li só os mais conhecidos e provavelmente em traduções bizarras, é outro exemplo constrangedor, mas também posso citar vergonhosamente: Fausto, de Goethe; Os Miseráveis e O Corcunda de Notre Dame, ambos de Victor Hugo, entre outros.
No cinema, matéria que confesso ter mais afinidade e menos buracos, alguns filmes de alguns diretores como Ingmar Bergman, Tarkovski e Akira Kurosawa não deixam rastro de culpa, pois francamente acho meio chatos. Inexplicável, dada minha admiração pelo cinema francês e o fato de ter visto tudo de alguns deles como Truffaut, Resnais, Chabrol e Rohmer, é nunca ter visto alguns filmes do Godard, diretor estrela da Nouvelle Vague, do qual só vi O Acossado.
Na música, minha falta maior é não conhecer a fundo, e honestamente nem superficialmente, a obra completa de The Beatles e também de Bob Dylan, das quais tenho a sensação de estar perdendo coisas incríveis. Música clássica então nem se fala, gostaria de conhecer e reconhecer árias inteiras só pelas primeiras notas e cantarolar grandes compositores. Entre os artistas nacionais a vergonha é não conhecer muito bem, e provavelmente por isso não gostar, a obra do Chico Buarque. Gosto mais dos livros dele do que das músicas, fato que irrita muito os fãs do artista de olhos azuis. Acho que sou um insensível que não alcança, ou não entende, a beleza poética das suas letras.
Já um pouco embaraçado, vou parar por aqui sem citar outras artes mais eruditas e refinadas, como a Dança, a Ópera, a Arquitetura ou as Artes Plásticas, pois iriamos acabar enveredando por um verdadeiro buraco negro, onde falta mais obras do que posso lembrar e não teria espaço nem para citar algumas delas.
Quem sabe nas próximas férias não consigo transferir algumas dessas obras citadas para a estante dos já conhecidos e absorvidos? Prometo que vou tentar.
Crônica Publicada na S.A.X. Magazine 21 (Set/2011)
