Vidas Editadas (Amy Winehouse) – Crônica S.A.X. Magazine #18

SAX_18Amy Winehouse veio ao Brasil se apresentar e até que se comportou razoavelmente bem, coisa que Madonna faz há tempos e, pelo menos ao que ela deixa transparecer, adora. Não quero aqui comparar as divas, até porque não dá nem para comparar o talento de Amy com o de Madonna, que sempre foi restrito ao poder sobre a mídia e à sua própria imagem, ela revolucionou a indústria de vídeo-clipes várias vezes apenas se reinventando.
Madonna é implacável no controle da sua imagem e trabalhou para que a imagem projetada na mídia fosse condizente com seus objetivos mercadológicos, como lançamentos de álbuns – sou do tempo que ainda se chamavam álbuns – e suas turnês internacionais. Amy, bagaceira que é, não controla sua imagem e a toda hora aparece em fotos nada glamourosas, de ressaca, hematomas, maquiagem borrada, pernas – e até um pouco mais – à mostra.
Amy teve sua vida amorosa totalmente devassada pela imprensa marrom mundial, e principalmente pela cruel imprensa inglesa. Bebedeiras, quebradeiras, traições e até algumas agressões tiveram cobertura midiática nada benéficas para a imagem da soul-diva. Madonna parece ter escolhido seus casos a dedo, Sean Penn, Warren Beatty, Lenny Kravitz, Vanilla Ice e até Dennis Rodman cumpriram papel de manterem a cantora em destaque nas principais revistas de fofocas. Guy Ritchie aparece num momento em que Madonna resolve investir em sua já combalida carreira de atriz. Swept Away, que no Brasil recebeu o título de Destino Insólito – é impressionante a falta de capacidade para traduzir os títulos dos filmes por aqui – filme que fizeram juntos, remake do clássico de 1974, é constrangedor e quase leva o talentoso diretor à lona. O namoro de Madonna com o jovem desconhecido modelo brasileiro Jesus Luz, junto com as múltiplas cirurgias plásticas e sua obsessão pelo corpo perfeito deixaram claro que a imagem que ela queria passar era da juventude e vitalidade.
Na era das redes sociais, em que todos editam sua imagem idealizada que querem divulgar, a autenticidade apresentada por Amy, não levando tão a sério sua auto-imagem é digna de admiração. Tenho amigos que simplesmente não reconheço nas redes sociais, são pessoas distintas digital e pessoalmente. Verdadeiros Ogros na vida real se transformam em pessoas interessantes. Posts sofrem verdadeiros trabalhos de edição, sempre comentários espirituosos e inteligentes, viva o Google, ninguém é totalmente ignorante com o Google por perto. Fotos são escolhidas a dedo e, por vezes, tratadas em sofisticados programas de edição, como Photoshop e companhia. Amigos são escolhidos por conveniência, nunca conversaram pessoalmente, mas são amigos virtuais. Comentários são rapidamente apagados se danificam em algum momento essa imagem positiva a ser divulgada.
São verdadeiros avatares, só não são azuis, como no belíssimo filme de James Cameron, porque preferem o amarelo dourado das sessões de bronzeamento artificial. Tudo é transformado e editado para agradar o público. Público e privado se misturam de forma avassaladora. Corpos e mentes são modulados para atender a uma demanda, que eu ainda não entendi bem de onde veio. Peitos e bundas são cirurgicamente instalados, como se fossem assessórios de beleza. Tudo é possível esteticamente, basta ter o dinheiro e a disposição de fazê-lo.
Na minha vida eu quero mais Amy Winehouses e menos Madonnas. Quero mais autenticidade e menos avatares. Quero mais bebedeiras e menos baboseiras. Quero mais conversas e menos mensagens. Quero mais presença e menos lembrança. Quero mais encontros e menos chats. Quero rir dos tombos da vida e não dos vídeos mais vistos no YouTube. Quero mais amigos e menos conhecidos. Amy! Amy! Amy! Quero uma vida menos editada.
Crônica Publicada na S.A.X. Magazine 18 (Fev/2011)

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