Poucos eventos paulistanos me deixam tão ansioso quanto a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, mais conhecida como simplesmente MOSTRA. No entanto, a Mostra deste ano começou com uma triste notícia. Leon Cakoff, fundador e responsável pelo evento desde 1977 (curiosamente o ano em que eu nasci), morreu na semana que antecedeu o início da sua 35ª edição.
Criada por Leon, em 1977, para comemorar os 30 anos do MASP, a 1ª Mostra apresentou 16 longas e 7 curtas nacionais e internacionais e logo no primeiro ano, criou uma das maiores marcas do festival, o prêmio com o voto do público, que na primeira edição foi para Lúcio Flávio – O Passageiro da Agonia, de Hector Babenco. Um artigo do Jornal do Brasil registra que “a Mostra é o único lugar onde se pode votar no País”. Em tempos de censura Leon enfrentou o regime militar trazendo filmes inéditos vindos da China, Cuba, União Soviética, França, entre outros países ainda mais distantes.
Ao Longo desses 35 anos, Leon trouxe grandes diretores e seus filmes de autor: o iraniano Abbas Kiarostami (Gosto de Cereja e Cópia Fiel); o israelense Amos Gitai (Kadosh e Alila); o americano Quentin Tarantino com seu primeiro filme, Cães de Aluguel (1992, 16ª Mostra); o espanhol Pedro Almodóvar, que abriu a 19ª Mostra em 1995 com A Flor do Meu Segredo; o alemão Wim Wenders, que veio à São Paulo na 32ª e na 34ª Mostra; o sérvio Emir Kusturica e o iraniano Jafar Panahi, hoje mantido em prisão domiciliar pelo governo do Irã.
Leon e sua Mostra formaram – e por que não dizer educaram – um grande número de cinéfilos, inclusive esse fã que vos escreve. Minha vida de amante de um cinema mais autoral, mais cultural e menos de entretenimento teve início nas sessões (algumas edições apresentavam mais de 500 filmes em mais de 1000 sessões) da Mostra.
Minha história com a Mostra começou no meu primeiro ano da Faculdade de Comunicação na PUC-SP, em 1995. Onde uma simpática e agitada professora de redação, amante das artes, desafiou e debochou da classe por não conhecer o diretor sérvio Emir Kusturica, seu filme Underground – Mentiras de Guerra, acabara de receber a Palma de Ouro no Festival de Cannes e vinha causando uma série de discussões interessantes na crítica especializada. Adivinhem onde o filme iria passar? Na Mostra daquele mesmo ano. Foi meu primeiro filme na Mostra e confesso não ter gostado muito do filme, como não gosto até hoje, mas aquela mesma Mostra me apresentou Pedro Almodóvar, que ali apresentava A Flor do meu Segredo. O ambiente, o público, o clima, as conversas acaloradas e, principalmente, a sensação de estar vendo algo realmente novo na tela me conquistaram.
Aquela 19ª Mostra de 1995 estava acabando, mas voltei nos próximos anos e só a partir de 1998, em que assisti, meio que sem querer, Pi (π), primeiro filme do hoje celebradíssimo diretor Darren Aronofsky, aclamado pelos filmes Cisne Negro, O Lutador e Réquiem para um Sonho, comecei a realmente me preparar e acompanhar diversos filmes durante o festival. Outro filme que me impressionou nessa minha primeira Mostra foi A Festa de Família de Thomas Viterberg do Movimento Dogma. Aquele filme meio esquisito, em preto e branco, com cara de filme antigo, mas com um ritmo acelerado de Aronofsky e o outro mais duro, sem trilha, sem enfeites, mas com um texto incrível de Viterberg, me mostraram o tipo de cinema, e até o tipo de cultura, que eu gostaria de acompanhar.
A partir daí, todos os anos, o final de outubro marcava o início da Maratona da Mostra. Filas, sessões lotadas, ingressos esgotados, problemas na legenda, filmes sem legenda, mais recentemente com o advento do cinema digital, problemas com as projeções digitais marcam, mas não estragam, as lembranças de cada uma das edições que acompanhei. Comecei assistindo 20 filmes nas duas semanas do festival, depois foram 30, 40, 50, até alcançar mais de 60 filmes em uma única edição. Puro vício.
A Mostra de Leon me fez conhecer países que eu jamais visitaria, me mostrou culturas, movimentos, histórias, ideias e ideais que mudaram a minha vida. Foi na Mostra que conheci alguns dos meus diretores favoritos: Wong Kar Wai, Lars Von Trier, Win Wenders, Michael Haneke, Paul Thomas Anderson, Thomas Viterberg, Todd Solondz, Nanni Moretti, Amos Gitai, Pedro Almodóvar, Juan José Campanella, Aleksandr Sokurov, entre tantos outros.
Obrigado, Leon, por lutar como um leão pela cultura desse país, sabemos que você lutou até o fim. Obrigado Leon, por me apresentar esse mundo, esse outro mundo.
Crônica Publicada na S.A.X. Magazine 22 (Nov/2011)
