Marchas e churrascos – Crônica S.A.X. Magazine #20

Nos últimos tempos, acompanhamos pela mídia uma enxurrada de manifestações, passeatas, marchas, caminhadas, voltas, movimentos, encontros e até churrascos para reivindicar os mais diversos direitos ou posições políticas. Algumas sérias e muito pertinentes, outras nem tanto.
Um bom exemplo foi o churrasco dos diferenciados, movimento que ganhou força na internet, virou assunto nos mais diversos meios de comunicação e que, de forma descontraída, se posicionou contra a visão equivocada, de apenas alguns moradores, diga-se de passagem, contra a instalação de uma estação do metrô no chique bairro paulistano de Higienópolis. “Diferenciados” virou hit, o adjetivo ganhou outros significados, quase que instantaneamente, com o efeito “viral” das redes sociais. No entanto, o caldo entornou e até algumas manifestações fascistas, que flertaram perigosamente com o antisemitismo, puderam ser lidas em alguns posts. Vale lembrar que Higienópolis é um bairro historicamente reconhecido pela sua grande comunidade judaica.
Pontos centrais da cidade como a Av. Paulista, a Praça da Sé e a Praça da República são as vítimas mais procuradas pelos criativos manifestantes. O trânsito, a sujeira e os transtornos provocados são revoltantes, mas não vamos discutir o óbvio. Logo após ser palco da “Caminhada da Diversidade”, a mais famosa avenida paulistana serviu de passarela para a “Marcha das Vagabas”, movimento importado do Canadá, onde três mil pessoas foram às ruas protestar contra a polêmica declaração de um policial em uma universidade que mulheres devem evitar se vestir como vagabundas para não se tornarem vítimas de abuso sexual. Por lá a passeata recebeu o curioso nome de “Slut Walk” e já passou pela Argentina, Estados Unidos, Inglaterra, Holanda e Nova Zelândia.
A criatividade anda baixa, cada manifestação gera uma série de clones, como o “Churrasco do Itaquerão” criado para conferir o andamento das obras no controvertido estádio do Timão. Assim vamos ajudar com algumas ideias: “Marcha Lenta” dos congestionados, para os pobres motoristas que ficam presos no  trânsito. Corrida de Sacos, para as senhoras que terão de carregar suas compras sem as sacolinhas plásticas. Saladinha Cultural, um almoço para protestar contra a desinformação da maioria dos manifestantes, que fazem uma verdadeira salada ao misturar assuntos distintos num mesmo protesto.
Exageros à parte, o problema é não termos uma cultura de liberdade de expressão. Por essas bandas ela é meio capenga, parcial e muito politicamente correta. Queremos falar de qualquer assunto, mas não queremos ouvir opiniões que divergem da nossa. O nosso desafio, como sociedade democrática, é deixar pessoas, que não compartilham das mesmas visões ou opiniões, também usufruírem dessa liberdade, desde que não ultrapassem os limites da lei. A cada declaração polêmica, devemos lembrar que é melhor ouvir, e discutir tal absurdo, do que calar. Até o Supremo Tribunal Federal foi acionado e decidiu, por unanimidade, liberar a “Marcha da Maconha”, que sofreu forte repressão da Polícia Militar de São Paulo em maio, declarando que a marcha não é apologia às drogas e sim uma livre manifestação do pensamento.
A polêmica criada pelas declarações do Deputado Federal Bolsonaro é exemplar. No Brasil, quer-se liberdade de expressão apenas para aqueles com quem concordamos. Quanto mais se revoltaram com tais declarações, maior foi a publicidade que “V. Excelência” contabilizou. Bolsonaro virou hit e provavelmente ganhou alguns seguidores para suas ideias reacionárias.
Em terra brazilis criticamos veículos da imprensa por serem parciais, mas a imparcialidade da informação é um mito, e seria mais saudável abandonarmos essa crença e termos consciência da linha ideológica de cada veículo, para identificarmos possíveis desvios. Na imprensa americana, a mesma notícia tem enfoque totalmente diferente nos canais de notícias, um claramente de direita e outro, copiado por aqui, mais de esquerda. Direita e esquerda se tornaram verdadeiros palavrões na maltratada democracia brasileira. Não se pode levar a sério uma democracia onde ninguém é de direita, todos são de esquerda, mas também não tão de esquerda assim. Mas isso é assunto para outra, longa e desinteressante, discussão e agora, vou ali na esquina, ver qual é a marcha do dia, quem sabe não rola até um  churrasquinho.
Crônica Publicada na S.A.X. Magazine 20 (Jun/2011)

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